terça-feira, 10 de março de 2015

Vamos falar Direito: Impeachment.

Vejo muita gente espalhando coisas que outros falam por aí. A maioria sequer se preocupa com o que transmite adiante, de maneira que a bobagem vai se propagando mais e mais.

Por isso, achei interessante tecer alguns comentários sobre uma coisa que vem sendo falada excessivamente atualmente: o impeachment.

Chame de "impitimã", "impitchiman", "impinchiman" ou qualquer coisa. Mas saiba do que está falando.

Obviamente não vou esgotar o tema, são apenas considerações iniciais sobre o que é, como pode ocorrer e quais seriam suas consequências.

Mas afinal, O QUE É impeachment?

O termo impeachment vem do inglês e significa "acusação", "repreensão", "censura" ou, numa tradução mais livre, um "impedimento". Você está livre pra procurar o quanto quiser esse termo na nossa Constituição mas, assim, graficamente, jamais encontrará. Nada mais é, portanto, que uma nomenclatura adotada pelos juristas brasileiros pra caracterizar um procedimento disciplinar contra determinada autoridade ou agente público, geralmente na presidência da República, que cometeu infração grave no curso de seu mandato.

É uma situação extremamente grave e, por isso, difícil de ocorrer. 

Por que? Bom, primeiro porque poucas autoridades podem sofrer um processo de impeachment. A título de exemplo, a Constituição indica no artigo 52 as competências privativas do Senado Federal e, logo nos incisos I e II estão a de processar e julgar o Presidente da República, seu Vice, Ministros de Estado, Comandantes das Forças Armadas, Ministros do STF e diversos outros nos chamados crimes de responsabilidade.

Tá, mas e O QUE SÃO CRIMES DE RESPONSABILIDADE?

Pra essa resposta, recomendo a (rápida) leitura da Lei 1.079/1950, que trata exatamente deles. Mas pra facilitar, são crimes político-administrativos que envolvem, em regra, afronta (i) à existência da União, (ii) livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário, (iii) exercício de direitos políticos, individuais e sociais, (iv) segurança interna do país, (v) probidade na administração, (vi) lei orçamentária, (vii) guarda e emprego do dinheiro público, (viii) cumprimento de decisões judiciárias. O rol é simples, mas, novamente, também previstos na Constituição. Em suma, são condutas políticas que, ao menos em tese, seriam totalmente contrárias à República e à construção do nosso Estado soberano.

Voltando ao impeachment, COMO SE DESENROLARIA O PROCESSO?

Novamente, a Lei 1.079 indica que qualquer cidadão brasileiro pode denunciar tanto o Presidente da República quando algum Ministro de Estado, desde que seja em virtude de crime de responsabilidade e que o denunciado ainda esteja ocupando o cargo. 

Certo? Partindo daí, ocorre na Câmara de Deputados um juízo de admissibilidade (simplificando, é quando se verifica se os requisitos intrínsecos - p.ex.: cabimento, legitimidade, adequação, etc. - e extrínsecos - p.ex.: assinatura, representação correta por procuração quando for o caso, tempestividade, etc.) da denúncia realmente existem.

Realizado o juízo de admissibilidade, autorizado o início do processo com aprovação de ao menos 2/3 (dois terços) dos membros da Câmara, o processo é encaminhado ao Senado Federal, onde haverá nova deliberação e, caso seja aprovado por 2/3 (dois terços) dos Senadores, os fatos serão efetivamente investigados com todo aquele processo de contraditório e ampla defesa pra lá de famosos.

Note que estamos falando sobre crimes de responsabilidade. Nesse sentido, recomendo a leitura dos artigos 85 e 86 da Constituição.

E AS CONSEQUÊNCIAS DO PROCESSO DE IMPEACHMENT?

Caso o Senado Federal entenda pela condenação, o Presidente, Vice ou quem quer que esteja passando pelo processo perde o cargo e fica, em regra, inabilitado para o exercício de qualquer função pública pelo (pequeno) prazo de 8 (oito!) anos, sem prejuízo de eventuais outras sanções jurídicas cabíveis (daí depende, claro, do que ele teria cometido e quais seriam estas consequências).

VAMOS PRA PRÁTICA AGORA?

E se um Presidente sofre um impeachment? Ocorre a chamada vacância do cargo (o cargo fica vago, "vazio"). 

Aí que está o xis da questão: segundo o artigo 79 da Constituição, seu sucessor natural é o Vice Presidente. Na atual conjuntura, sai a Dilma e entra o Michel Temer. O fim da cadeia (sem chiste!) indica que, temporariamente na ausência de Presidente e Vice, assumiriam a Presidência nesta ordem: (i) o Presidente da Câmara dos Deputados; (ii) o Presidente do Senado Federal; (iii) o Presidente do Supremo Tribunal Federal (isso já aconteceu em outras oportunidades recentemente, como quando o ex-Presidente do Senado José Sarney assumiu a presidência em virtude de viagem de Dilma, Temer e do Presidente da Câmara à época).

O pulo do gato, e aí estamos falando de uma situação tão impossível de acontecer quanto o próprio impeachment da Dilma hoje, seria um novo processo contra o Vice Michel Temer ou algo que o impossibilitasse de assumir a presidência. Já se cogitou, anos atrás, inclusive, o estado de saúde do à época Vice Presidente José de Alencar.

Neste cenário, caso o Vice não possa exercer a Presidência, é importante que observemos o tempo em que isso ocorreu. São duas situações trazidas pelo artigo 81 da Constituição:

Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.
§1º - Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.

Ou seja: caso as vacâncias ocorram durante os dois primeiros anos de mandato, serão convocadas novas eleições diretas (como as de Outubro de 2014, por exemplo). Caso ocorra nos dois últimos anos de mandato, quem promove a eleição é o Congresso Nacional, por via indireta. Em ambos os casos, o tempo de mandato é exatamente o remanescente, ou seja, não se fugiria de uma eleição em 2018.

Simples? Aparentemente não.

Peguemos o exemplo do ex-Presidente Fernando Collor de Mello. O que se conta é que por conta de um crime de responsabilidade denunciado por seu tesoureiro à época, PC Farias, envolvendo justamente a improbidade administrativa. O que houve, na realidade, é que Collor renunciou antes de concluído o processo de impeachment na tentativa de escapar da punição de seus direitos políticos. Na época, em virtude do clamor popular, o Congresso entendeu pela condenação. Collor recorreu ao Judiciário, mas isso é outra história (na verdade, ele foi absolvido anos depois pelo STF em virtude de um fator técnico-processual, a famosa "falta de provas"). A moral da história, pra ele, é que tirou férias por oito anos e logo logo voltou a ser eleito Senador, cargo que ocupa até hoje.

Não tive acesso ao parecer recentemente emitido pelo Jurista Ives Gandra Martins, pessoa a qual toda a comunidade jurídica tem grande apreço. Entretanto, me parece que a linha de raciocínio dos dois casos é bem semelhante, com o adendo (correto, a meu ver) que basta a presença de culpa para se caracterizar o crime de responsabilidade, ao contrário do que parte da doutrina indica, ou seja, a necessidade de caracterização do dolo. Mas isso é assunto pra outro post.

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