segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Cheira a espírito adolescente.

Hoje, se vivo estivesse, Kurt Cobain completaria 50 anos de idade.

Nirvana nunca foi minha banda preferida, mas preciso reconhecer que naquela fase dos 11, 12 anos, quando comecei a brincar de aprender a tocar violão me empolgava bastante tocando "Come As You Are" ou aquele riff de "Polly". Pirava com o clipe da música que ilustra o título do post e até hoje quando escuto "Heart-Shaped Box" me empolgo. Aliás, no presente minuto estou ouvindo ela e cantarolando no modo automático, mesmo sem realmente querer.

Enfim...

Kurt foi um cara foda e sempre soube disso. Um gênio da música, um cara sensacional, mas que nunca quis carregar o rótulo de líder de uma geração. Era um cara destrutivo, cheio de problemas e que jamais se enxergara como exemplo pra ninguém. Tanto que seus últimos anos de vida foram regados a conflitos públicos com sua esposa (a odiada Courtney Love), duelos contra a depressão e o vício em heroína. As pressões da vida profissional pública de rock star nunca fizeram bem pra ele e isso culminou num triste suicídio com um tiro de espingarda na cabeça, ou ao menos é isso que a versão oficial nos conta.

Existem milhares de representações dessa morte na cultura pop, mas a que acho mais honesta e visceral é a contada em "Californication". O 10º episódio da segunda temporada conta justamente o recebimento da notícia pelos personagens principais da série, viciados em rock e que viviam aquele ano de 1994 tão de perto como qualquer pessoa de vinte e poucos anos teria vivido. Aliás, vale o registro, esse episódio tem a carta de amor mais bonita que já vi na vida.

Hoje o que se viu foram sites especializados em música especulando sobre a morte de Kurt, ou melhor, qual rumo teria tomado sua vida se esta não tivesse sido tirada/perdida tão inesperadamente. Gente dizendo que ele seria o maior de todos os tempos, outros dizendo que o Nirvana não duraria mais do que alguns anos, flagrante a necessidade intelectual e artística do Dave Grohl alçar novos vôos, como efetivamente alçou. Gente dizendo que viraria um Guns N'Roses, mas pra mim isso já é maldade demais e, francamente, me contento em ter Foo Fighters hoje - muito mais meu gosto.

Bom, estou me prolongando desnecessariamente.

O mote desse post é justamente a morte de Kurt, claro, mas sob o aspecto da mítica idade de 27 anos. Além dele, tivemos Robert Johnson, Brian Jones, Pigpen, Hendrix, Janis, Jim Morrison, André Pretorius e, mais recentemente, Amy Winehouse. Com alguns meses de atraso, perdemos também Shannon Hoon, ex-Blind Mellon, falecido apenas um mês após completar 28 anos.

Me peguei pensando justamente nessa fase esquisita vivida entre a juventude e a idade adulta. Essa época em que temos o mundo ao nosso alcance, mas ao mesmo tempo encaramos tudo tão distante. Como temos asas grandes o suficiente para alçarmos qualquer voo que desejamos, mas ao mesmo tempo a autonomia de um pássaro recém eclodido.

É justamente nessa fase em que eu estou e, reconheço, as coisas não são tão fáceis quanto pareciam quando tinha 18 anos. Aqueles planos de chegar até os 30 com a vida construída estão cada dia menos acessíveis, um pouco pelas dificuldades naturais da vida, um pouco por eu sequer ter decidido o que espero. 

É complicado chegar a uma conclusão do por que Kurt tenha acabado com sua vida da maneira trágica e inesperada que aconteceu, mas não dá pra deixar de reparar que todos esses jovens talentos que foram alçados tão rapidamente a um patamar mais elevado tiveram mortes, digamos, evitáveis¹ ou que, em geral, remetem ao suicídio ou à ausência de vontade em permanecer vivo. 

¹ a) Robert Johnson, guitarrista de blues, morreu ao beber whisky envenenado, supostamente pelo dono de um bar em que tocava, por ciúmes de sua mulher. 
b) Brian Jones, um dos fundadores dos Rolling Stones, morreu assassinado por um empreiteiro que reformava sua casa.
c) Pigpen, ex Grateful Dead, morreu em decorrência do vício em bebidas alcoólicas. 
d) Jimmy Hendrix, um dos maiores guitarristas de todos os tempos, morto supostamente em decorrência de uma overdose de remédios.
e) Janis Joplin, também por overdose.
f) Jim Morrison, também por suposta overdose.
g) André Pretorius, um dos fundadores do Abordo Elétrico, também por overdose de heroína.
h) Amy Winehouse, por ingestão excessiva de álcool.
i) Shannon Hoon, também por overdose.

domingo, 19 de fevereiro de 2017

Carta de Goldmund a Narciso.

2016 foi um ano difícil.

Tudo começou em 2015, quando num rompante de coragem decidi largar tudo e me mudar do Brasil. Era uma escolha extremamente óbvia em 2010, quando ainda estava na faculdade e tive a primeira vontade de ir pra fora. Passei dias conversando com pessoas que moravam fora, lendo blogs, assistindo vídeos, pesquisando sobre cultura, frio, idiomas, perspectivas. Na época, deixei de ir porque coloquei os outros à minha frente, ainda que "os outros" sejam as pessoas mais importantes pra mim.

Durante muito tempo me culpei silenciosamente pois com o passar do tempo aquele motivo pra não ter ido se mostrou frágil, desnecessário, e comecei a reparar que era eu culpando aos outros por uma falta de coragem minha. Naquela época existiu um motivo sério que me "impediu" de ir, mas nunca houve interferência de ninguém, eu fiz a escolha que quis e julguei ser a mais certa.

O tempo passou, cresci e me peguei amadurecendo a ideia de ir pra fora em 2014, logo após a Copa do Mundo. Estava largando um trabalho que me estressava mais do que trazia coisas boas, apesar de uma grana razoável ao fim do mês e um certo conforto financeiro que hoje me faz falta. Mas eu não estava bem comigo mesmo ali, sabia que precisava de uma mudança drástica pras coisas voltarem ao prumo. Pensei de novo em ir pra fora, morar um tempo longe de tudo, mas àquela altura eu estava me sentindo mal comigo mesmo. Procurei tratamento pela segunda vez na vida e me dediquei a estar bem comigo mesmo, em primeiro lugar. Assim procedi e entendi por bem encerrar aquela fase ruim da minha vida com um prêmio pra mim, coisa que não me dava a bastante tempo... Fui riscar um dos meus objetivos de viagem da lista.

Voltei ao Brasil, voltei a trabalhar, retomei o rumo da vida. E os problemas não demoraram a aparecer de novo e em 2015 já estava assim de novo, sem saco, desmotivado, com vontade de mudar - de verdade.

Por incrível que pareça, minha situação financeira era bem pior do que em 2010, mas desta vez eu não deixaria nada nem ninguém intrometer naquele sonho. E assim foi, fiz minhas dívidas, vendi meu único patrimônio, retomei as pesquisas, juntei tudo numa mala grande e fui. Me lembro da despedida no aeroporto, de gente importante deixando claro pra mim o quanto seria difícil esse tempo sem a minha presença, mas eu sentia que era a hora de ser egoísta e pensar em mim. Em mim. Não nos outros. Em mim.

E assim rumei pra uma aventura fora de tudo que já havia vivido. Na mesma velocidade que deixava pra trás pessoas importantes, sentia uma necessidade louca de substituí-las por outras e isso funcionou maravilhosamente bem por um tempo. Mas isso logo mudou, e eu vi que não dá pra substituir pessoas como se fossem coisas.

Chegou a época em que comecei a questionar o meu egoísmo e a medida em que aquelas escolhas estariam me fazendo realmente bem. E foi justamente nesta época em que comecei a me deparar com escolhas opostas... Estava dando um rumo novo pra minha vida, num novo país, nova língua, novos amigos, novos desafios, mas estava de novo em dúvida se era aquilo que queria e se era aquele o momento. Conversava com amigos e familiares e sempre que me perguntavam sobre a vida lá, só compartilhava coisas boas, por menores que as vitórias fossem. Estava repleto de coisas boas da boca pra fora, mas incompleto por dentro. Aquele buraco tinha razão e eu sabia bem qual era, mas tapá-lo não dependia de mim àquela altura. 

O tempo me mostrou que aquele buraco não estava aberto só por um motivo, ou só em decorrência de uma tristeza. Entendi um pouco tardiamente que era preciso viver aqueles cinco passos famosos do luto, mas não tinha certeza se as coisas seriam assim mesmo. Mal sabia, mas essa fase era justamente a negação. Daí veio a raiva e uma vontade irracional de se fazer entender e de compreender o que estava acontecendo. Questionar, instigar respostas, buscar soluções e se frustrar por não conseguir. Essa foi a sina daquela época. Por que? Pra que? Quando? Onde? As respostas não vieram, mas com elas veio a barganha. Vieram propostas, promessas de mudança e de evolução. Promessas vazias, palavras sem sentido, objetivos furados e perdidos. E aí veio a queda, a tristeza, o vazio, a depressão.

O próximo passo é a aceitação e, pra ele chegar, preciso refletir sobre todos os anteriores. Não mais me privar de escolhas e das consequências que surgem delas. Não dá mais pra empurrar com a barriga essas coisas, chegou a hora de superar esses problemas e pra isso é necessário virar páginas.

Um dos personagens literários que mais gosto já disse certa vez que "palavras são vento" e embora eu saiba que naquele contexto ele dizia sobre a efemeridade das promessas, sobre a fragilidade dos planos e de como não vale a pena depositar nos outros a esperança e confiança que usualmente depositamos. Mas pra mim, hoje, essa frase faz mais referência à necessidade de colocar em prática aquilo que tenho pensado.

Hoje estou fechando uma porta que há muito estava aberta, mas que não precisa mais estar assim.